Net-activismo amerindio en podcast: comunicación étnica y reticular en la Amazonía brasileña, en período pandémico
Amerindian net-activism in podcast: ethnic communication and reticular in the brazilian Amazon, in pandemic period
Net-ativismo ameríndio em podcast: a comunicação étnica e reticular na Amazônia brasileira, em período pandêmico
e-ISSN: 1605 -4806
VOL 25 N° 112 septiembre - diciembre 2021 Monográfico pp. 365-376
Recibido 08-09-2021 Aprobado 20-12-2021
https://doi.org/10.26807/rp.v25i112.1803
Thiago Franco
Brasil
Universidade Federal do Amazonas
thiagofrancoatopos@gmail.com
Eliete Pereira
Brasil
elisilva70@gmail.com
Ana Beatriz Viana de Melo
Brasil
beatrizvianna78@gmail.com
Resumen
El objetivo de la investigación es comprender cómo las comunidades amerindias conectadas a internet, en situación de vulnerabilidad social, utilizan los recursos audiofónicos para acciones de activistas en redes, en la región amazónica. Como método de investigación, este estudio parte de la netnografía, con un procedimiento de análisis y recolección de datos en sitios web, blogs, web radio, redes sociales, con foco en podcasts. De esta manera, se espera contribuir al debate teórico, pueblos epistemológico y metodológico de las ciencias de la comunicación, considerando cuestiones pertinentes sobre la práctica y apropiaciones de la comunicación digital, por parte de los originarios, en período de pandemia.
Palabras clave: Amazonia; grabación sonora; grupos étnicos; pandemia; redes sociales.
Abstract
The objective of the research is to understand how the Amerindian communities connected to the internet, in situations of social vulnerability, use audiophonic resources for actions of activists in networks, in the Amazon region. As a research method, this study starts from netnography, with a procedure of analysis and data collection on websites, blogs, web radio, social networks, with a focus on podcasts. In this way, it is expected to contribute to the theoretical, epistemological and methodological debate of communication sciences, considering pertinent questions about the practice and appropriations of digital communication, by indigenous peoples, in period of pandemic.
Keywords: Amazonia; sound recording; ethnic groups; pandemic; social media.
Resumo
O artigo apresenta o estudo sobre os usos de recursos jornalísticos audiofônicos para ações net-ativistas no combate do novo coronavírus (SARS-CoV-2) feitos por comunidades ameríndias conectadas à internet, na região amazônica brasileira. Como método de pesquisa este estudo parte da netnografia, com procedimento de análise e coleta de dados em sites, blogs, web rádio, redes sociais, com foco em podcasts. Desse modo, espera-se contribuir para o debate teórico e metodológico das ciências da comunicação, considerando questões pertinentes a respeito da prática e apropriações da comunicação digital, por povos originários no contexto da pandemia. Entre os resultados alcançados, contatou-se que os podcasts reforçam as orientações sanitárias, a importância de isolamento nas terras indígenas, a valorização da alimentação tradicional, sem contar com o registro e compartilhamento da percepção deles sobre esse período.
Palavras-chave: Amazônia; gravação sonora; povos indígenas; pandemia Covid-19; redes sociais.
Introdução
Este artigo apresenta o mapeamento experimental de podcasts1, com conteúdos relacionados ao combate ao novo coronavírus (SARS-CoV-2), produzidos por organizações ameríndias da região amazônica brasileira, dentro de um contexto de net-ativismo. As populações indígenas dessa região somam aproximadamente 180 mil, distribuídas em 350 comunidades-aldeias pertencentes a 18 etnias. Durante a pandemia muitas comunidades indígenas passaram a utilizar com mais intensidade as tecnologias de comunicação e conexão para ações em rede e nas redes digitais.
Durante a pesquisa, foram identificadas comunidades, em espaço de vulnerabilidade social, que utilizam os recursos do jornalismo digital, em redes sociais no âmbito audiofônico, para auxílio no combate da pandemia (Ferrante & Fearnside, 2020). O referido estudo está vínculado ao projeto Amazônia Digital, financiado com recursos da Universidade Federal do Amazonas.
Inicialmente os públicos-alvo desse projeto eram as comunidades ribeirinhas2, às margens do Rio Amazonas, que passaram a ter acesso às redes digitais e construíram uma interação comunicacional do local, fortalecendo suas origens e as suas lutas. Nesse perfil, ao identificarmos o predomínio considerável de etnias ameríndias, em situação urbana e a atuação de organizações indígenas no combate ao coronavírus, decidimos trabalhar diretamente com as entidades representativas étnicas envolvidas, que usam gravações sonoras para alcançar suas comunidades.
Recortes da pesquisa e caminhos teórico-metodológicos
A coleta de dados ocorreu entre os meses de março de 2020 a março de 2021. A pesquisa obedeceu a legislação vigente no Brasil e se comprometeu na preservação dos dados pesquisados, com uso de dados públicos. Portanto, todos os dados estavam disponíveis ao público nas plataformas analisadas, sendo assim, os pesquisadores envolvidos nesta investigação não falam em nome das comunidades, mas se posicionam como estudiosos do conteúdo publicado.
No processo de escolha do grupo estudado foi decidido, junto à coordenação do projeto, trabalhar com conteúdo nas redes digitais com perfis públicos, figuras públicas, pessoas jurídicas, como as federações étnicas representativas existentes no Brasil, principalmente com atuação na Amazônia. Passamos então a perceber como as comunidades eram tratadas, a partir do pondo de vista de federações e entidades representativas amazônicas, durante a pandemia. Mapeando-as apenas no modo digital, especificamente os podcasts, a partir de dados abertos e via contatos digitais, portanto, sem contato físico com as comunidades.
Historicamente o rádio ocupou um espaço de importância e estratégia na comunicação midiática amazônica, em especial, no uso das ondas curtas, desde os anos de 1970. Em contextos ameríndios, “não há registros oficiais de introdução do rádio nas aldeias. Sabe-se que antes de atingir o uso que se faz atualmente, o que havia em algumas aldeias eram radiotransmissores dos postos indígenas da Fundação Nacional Índio (FUNAI). Existiam para a comunicação médica, de pedido de materiais de abastecimento etc.” (Pereira, 2012, p. 44).
Contudo, devemos considerar no cenário atual, a partir dos anos 2000, o fenômeno da conexão ameríndia às redes digitais no Brasil, conforme ressalta Franco (2016; 2019). Ainda que não se tenha dados mais detalhados sobre o acesso dessas populações à rede mundial, houve uma ampliação dos sinais de Internet na região amazônica, o que vem ocasionando a intensificação das apropriações nas comunidades ameríndias. Isso pode ser percebido pelo volume de perfis e páginas indígenas nas redes sociais digitais, sobretudo, no Facebook..
Nesse sentido, consideramos o aparecimento da Internet e dos dispositivos de conexão, seus aspectos pervasivos e ubíquos difundidos em escala global como vetores do processo de digitalização das comunidades étnicas, dos territórios, das pessoas e das coisas que se (info) materializam, conforme mostra Pereira (2010; 2012; 2013; 2017; 2018).
As comunidades passam a registrar suas próprias referências tradicionais constituindo um significativo e vantajoso processo de reconfiguração do ambiente digital, por intermédio de especificidades cosmológicas, próprias de cada etnia, de cada língua e modo de ser. Tais experiências envolvem claramente uma comunicação étnica, tradicional, xamânica, que engloba a participação de humanos e não-humanos (Pereira, 2012, 2018; Franco, 2019).
Sob a mesma importância, observamos as etnias utilizarem as plataformas digitais audifônicas, para a produção de podcasts, com conteúdo voltado para o combate do coronavírus, produção que é distribuída por Whatsapp e na falta de sinal, por bluetooth ou ainda em pendrives. As gravações expõem as lideranças locais, no sentido de legitimar a informação.
É interessante entender que a falta de sinal de Internet não é um empecilho para o compartilhamento. O rio Amazonas, seus afluentes e lagos adjacentes dão suporte para uma complexa rede de troca de informações, armazenadas em pequenos dispositivos que, levados nas embarcações amazônicas, chegam as comunidades mais longínquas. Essa característica reticular desenha uma forma ecológica que conecta a floresta ao digital.
Aparamente, se antes as etnias tinham suas histórias narradas por terceiros nos espaços da mídia tradicional – consequentemente os processos ritualísticos passíveis de serem distorcidos3 por atores externos à comunidade –, agora, os povos locais assumem o papel de prosumers e reivindicam espaços de fala nas redes digitais, em um artifício técnico de profissionalização e de afirmação de suas identidades. Com isso, são notórias as iniciativas de uso de recursos técnicos comunicacionais em contraste aos usos ocidentais, voltado às práticas locais.
Quanto aos procedimentos metodológicos adotados, este estudo baseia-se em métodos e das técnicas aplicados pela pesquisa netnográfica. De acordo com Kozinets (2014), a netnografia é um método de pesquisa, baseado na observação participante e no trabalho de campo online, que utiliza as diferentes formas de comunicação mediada por intermédio de aparelhos via acesso à internet como fonte de dados para a compreensão e a representação etnográfica dos fenômenos culturais e comunais. Segundo Pinto (2007), a netnografia, como a etnografia tradicional, é um método de pesquisa que se caracteriza por sua flexibilidade. Contanto que os objetos de estudo estejam situados ou possuam uma contrapartida no ambiente virtual, diversos tópicos podem ser investigados através do método. “A pesquisa netnográfica compreende as etapas de planejamento do estudo, seleção e entrada em campo, coleta de dados, análise e interpretação dos dados, garantia dos padrões éticos e apresentação da pesquisa.” (Kozinets, 2010, p.XXX).
Kozinets (2010), ressalta que o método não trata as comunicações realizadas no ambiente digital como conteúdo, mas como interações entre as pessoas, expressões carregadas de significado e artigos culturais, sendo assim, na análise netnográfica é levada em consideração não apenas as palavras usadas nas interações sociais, mas também os elementos do fórum, as características dos interlocutores, a linguagem, a história, os significados e o tipo de interação realizada.
A pesquisa buscou investigar as iniciativas comunicacionais das comunidades ribeirinhas e indígenas em ambiente digital na região amazônica, com o objetivo de identificar quais destas comunidades em situação de vulnerabilidade social utilizam ferramentas do jornalismo digital, em redes sociais, no âmbito audiofônico. Para a coleta de dados, foram considerados dois métodos: o complexo e a perspectiva atópica, que aborda o trânsito interno e externo dos dados, das pessoas, dos lugares, das memórias, ou seja, a ecologia digital e não digital. De acordo com Di Felice (2009), a Atopia é uma nova forma comunicativa de habitar, baseada na relação entre humanos, território e tecnologias digitais. Este último elemento, dos fluxos e redes digitais, é fundamental na transformação do modo pelo qual os humanos perdem sua condição antropocêntrica e complexificam-se as relações em rede com os outros elementos não humanos. . Tal perspectiva será fundamental para levarmos em consideração outros elementos da comunicação ocasionada pelos podcasts, a exemplo dos elementos do território: animais, plantas etc.
O mapeamento preliminar das iniciativas em podcasts foi feita em sites, blogs web radio, e/ou redes sociais, na procura a identificação da interação entre as comunidades envolvidas com o ambiente e as suas diversidades, observando-se também os eventos que realiza no digital, fora do digital e que retornam para o digital.
Tal mapeamento das organizações ameríndias da região amazônica brasileira conectadas à internet foi combinado com o estudo netnográfico a partir de análises de três redes ameríndias selecionados com bases nos preceitos pré-definidos: 1) comunicação através do espaço audiofônico digital para as aldeias na região amazônica; 2) não ter fins lucrativos; 3) ser realizados por entidades que atenda as causas indígenas; 4) representar um coletivo de ativistas em defesas dos direitos indígenas. As redes ameríndias foram identificadas a partir de duas pesquisas, a primeira na plataforma Google com o termo “comunicação indígenas na região norte” e segunda pesquisa feita pela hashtag #ficanaaldeia na rede social Instagram.
As redes selecionadas foram os que apareceram no decorrer da busca e cumpriram os critérios definidos em antecedência: Rede Copiô, Parente! ISA – Instituto Socioambiental (https://soundcloud.com/socioambiental) com 207 faixas de podcast; e Rede Wayuri, FOIRN – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (https://soundcloud.com/wayuri-audio) com 73 faixas de podcast e Atenção, Txai! – Comissão Pró-Índio do Acre (https://www.instagram.com/proindioacre/) 28 faixas de podcasts. As abordagens aqui apresentadas foram desenvolvidas com base na análise dos conteúdos postados no período entre o mês de maio e início de novembro de 2020 em cada perfil, relacionadas à pandemia de Covid-19.
Evidentemente, entendemos que o contexto se caracteriza dentro de ações net-ativistas. O uso e a apropriação da Internet servem como extensão da aldeia, dos lugares de diálogo e de luta, na produção de conteúdo feita pelos próprios povos, por meio de blogs, sites e informações em perfis de redes sociais.
Segundo Pereira (2013; 2018), essa atuação comunicativa nas redes digitais coloca em debate os esquemas interpretativos de categorização desses povos, principalmente àquelas que associam a eles um estágio estático de suas culturas e que o uso das novas tecnologias os torna “menos índios”.
Desse modo o net-ativismo ameríndio ou net-ativismo indígena é uma forma de resistência, de reforço indenitário, de reconhecimento dos pares, nas redes digitais, no combate a cosmofagia4 praticada contra essas comunidades. Mais do que o simples uso de tecnologia, o net-ativismo entre os povos originários se tornou uma condição de batalha, que representa a expressão das realidades diversas e glocais5, que cada comunidade enfrenta no cotidiano, fato condizente com as pesquisas de Franco et al (2020) e Franco e Silva (2020).
Resultados
Durante a pesquisa, identificamos ao menos 25 etnias que utilizam as plataformas digitais audifônicas, para a produção de podcast, com conteúdo voltado para o combate do coronavírus, combate a desinformação e as fake news. produção que é distribuída por Whatsapp e na falta de sinal, por bluetooth ou ainda em pendrives.
O presente estudo teve como objetivo mapear as iniciativas comunicacionais em entidades representativas ribeirinhas e indígenas em ambiente digital na região amazônica. Identificando quais destas comunidades em espaço de vulnerabilidade social que utilizam na prática as ferramentas do jornalismo digital, em redes sociais, no âmbito audiofônico.
Durante a pandemia de Covid-19 foram registrados, segundo a Plataforma de monitoramento da pandemia em terras indígenas6 (Tis) do Instituto Socioambiental (ISA) até o dia 21 de junho de 2021 foram registrados 49.872 casos de contágios e 721 óbitos. Sendo estes dados restritos às aldeias e notificados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). É notória a vulnerabilidade sanitária em que se encontram essas populações e uma forma de mantê-los bem informados e preparados para se protegerem dessa nova ameaça, as redes escolhidas intensificaram a produção de conteúdo de áudios nas plataformas, disponibilizando também os alertas através de via radiofonia para as comunidades mais distantes. As iniciativas em usar os recursos digitais são para romper o distanciamento social em que muitas comunidades vivem, fortalecendo o espaço de voz, a preservação e a divulgação das suas culturas, a defesa dos direitos indígenas, espaço fundamental de denúncia de ameaças e ampliação das trocas de saberes.
Redes Net-Ativistas
Rede “O Copiô, Parente!”
A rede “O Copiô, Parente! ”, projeto do Instituto Socioambiental – ISA criado em 2017, é um boletim de áudio semanal de notícias apresentado por Leticia Leite. Iniciou com uma lista de transmissão via WhatsApp de 30 pessoas e se transformou no primeiro podcast feito para os povos da floresta. Tem como objetivo principal permitir que os povos indígenas sejam frequentemente atualizados sobre a luta por seus direitos, com isso semanalmente as pautas percorrem com o resumo do que é debatido nos poderes Legislativos, Judiciário e Executivo, com o acompanhamento dos julgamentos em trâmite no Supremo Tribunal Federal, e atualmente com as informações sobre a pandemia de Covid-19”, além dos registros de vitorias indígenas e ameaças. Suas postagens acontecem em um armazenamento na rede social Soundcloud, compartilhado em formato MP3 por Whatsapp para mais de dois mil contatos e por via radiofonia, o “Copiô, Parente” atinge hoje, periodicamente, ao menos 60 comunidades no Pará e Amazonas.
As últimas publicações relacionadas à Covid-19 feitas na rede social no dia 21 de agosto de 2020, episódio 156 do “Copiô, Parente!”, aborda uma vitória importante dos movimentos indígenas e dos parlamentares que defendem os direitos indígenas, o fato da celebração foi a derrubada no Congresso Nacional de 16 dos 20 vetos do presidente Jair Messias Bolsonaro ao projeto, depois de muita luta agora é lei:
Ao projeto de Lei n°14.021, de 7 de julho de 2020 art. 1° esta lei institui medidas de vigilância sanitária e epidemiológica para prevenção do contágio e da disseminação da Covid-19 nos territórios indígenas, cria o Plano Emergencial para Enfretamento à Covid-19 nos territórios indígenas, prevê ações de garantia de segurança alimentar, dispõe sobre ações relativas a povos indígenas isolados e de recente contato no período de calamidade pública em razão da Covid-19, estipula medidas de apoio às comunidades quilombolas, aos pescadores artesanais e aos demais povos e comunidades tradicionais para o enfretamento à Covid-19 [...] (Diário Oficial da União, 2020)
A pauta abordada pelos apresentadores Gilmar Terena e Oswaldo Souza no episódio 156, apresenta de forma detalhada para maior compreensão do direito conquistado e alerta de fiscalização: na garantia de água potável, os materiais de higiene e limpeza, leitos hospitalares, UTIs, materiais informativos e até conexão à internet nos territórios indígenas, além disso, o poder público precisaria criar mecanismos que se facilita o acesso ao auxilio emergencial para populações indígenas e tradicionais de modo que os mesmos não deixassem seus territórios.
Com a participação da Deputada Federal Joenia Wapichana encabeçada na frente parlamentar indígena, reforça que para essa conquista houve forte pressão do movimento indígena, parlamentares e partidos políticos que se envolveram na defesa do direito dos povos indígenas.
O conteúdo postado evidencia a ausência do governo e as muitas ações contra a disseminação do vírus da Covid-19 foram realizadas de maneira autônoma pelas próprias comunidades ameríndias. Sem o apoio, as comunidades usavam a estratégia conhecida através das barreiras sanitárias para controle de entrada pessoas nas aldeias. A estratégia conseguiu conter parcialmente a entrada da doença, mesmo em situações de contágio nas comunidades os casos estavam eram logo estabilizados. Com o direito conquistado em função do projeto transformado em lei, o governo tem o dever e a obrigação de apoiar essa linha de frente além de outras formas de ações previstas.
Rede Wayuri
A Rede Wayuri nasceu com o nome de Rede de Comunicadores Indígenas do Rio Negro, criada em novembro de 2017, incorpora-se a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro - FOIRN e conta com assessoria do Instituto Socioambiental – ISA, sendo composta por dezessete comunicadores indígenas de oito etnias: Baré, Baniwa, Desana, Tariana, Tukano, Tuyuka, Wanano e Yanomami. A missão executada pelos comunicadores é de combater as fake news produzidas contra os povos indígenas, lutando contra os estereótipos, preconceitos e boatos que muitas vezes são produzidos com o intuito de distorcer a realidade, de atingir a reputação dos povos indígenas de acordo com interesses econômicos e políticos.
As postagens da Rede Wayuri de Comunicação Indígena circulam pelas redes sociais por meio de vídeos, fotos, lives, áudios e textos, com intuito de fortalecer a autonomia dos povos indígenas a partir da produção de suas próprias narrativas. Os boletins de áudio Wayuri são produzidos mensalmente, é um informativo que pretende levar informação sobre os territórios indígenas do rio Negro para suas mais de 700 comunidades, sendo estas circuladas por via WhatsApp, radiofonia, transmissão de arquivo por bluetooth e compartilhadas na plataforma Soundcloud.
As últimas postagens dentro do período de coleta, sobre o Covid-19, realizada no dia 28 de agosto de 2020, o áudio n° 50 aborda as rodas de conversas com o tema: Saúde Mental na Pandemia de Covid-19 no Alto Rio Negro, no Amazonas. São duas rodas de conversa de iniciativa do departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro (DMIRN), Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) e Instituto Socioambiental (ISA), com a presença dos psicólogos dos Médicos sem fronteiras (MSF), Nádia Marini e Álvaro Palha. Essa equipe atuou no município de São Gabriel da Cachoeira em apoio às populações indígenas.
O áudio n°50 apresentado por Lilian Baré e Claudia Wanano, reforçou a importância dos cuidados com saúde mental no cenário da pandemia, sem flexibilizar os protocolos de saúde, com os comentários e questionamentos das participantes da região: o impacto do isolamento social, os desafios diários, as dificuldades e até aprendizagem. As mulheres participantes puderam responder abertamente sobre suas aflições e o medo que sentiram das perdas de pessoas dos seus círculos de convívio.
Os psicólogos apresentaram alternativas para manter o equilíbrio da saúde mental durante o período de pandemia e o pós-pandemia, não somente para as participantes, mas para os ouvintes da Rede Wayuri que em um momento delicado de desorganização como esse, pode afetar as pessoas de forma silenciosa, é importante esse cuidado com o outro e o fortalecimento dos círculos de convívio.
Rede “Atenção, Txai!”
A terceira rede “Atenção, Txai!” incorporada à Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre), Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC) e a Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC), apesar do longo tempo de atuação em prol as comunidades indígenas, o programa semanal lançou-se no mês maio de 2020, sem fins lucrativos com a iniciativa para campanha de prevenção à doença Covid-19.
Com a produção intensiva de podcasts no objetivo principal de levar informações confiáveis a todas as comunidades indígenas nos territórios do Acre, esses programas são distribuídos nas redes sociais, no site da Comissão Pró-índio do Acre e rádios locais. Atendendo os povos indígenas: Huni kui, Ashaninka, Yawanawa, Puyanawa, Noke Koi, Nukini, Nawa, Manxineru, Jaminawa Arara, Jaminawa, Kuntanawa, Shanenawa, Shawadawa, Madijá e Apolima Arara.
A recente publicação relacionada a Covid-19, no dia 30 de outubro de 2020 o programa semanal n°24 “Atenção, Txai!” abordou a seguinte experiência; “Nós índios cuidamos, mas sendo só a gente não temos como segurar o planeta” diz a liderança Caucho Maná Ghaguinhas da Nova Aldeia, Terra Indígena Kaxinawá do Igarapé, contando como a sua comunidade tem se organizado para enfrentar o coronavírus, fortalecendo a produção de alimentos locais.
O podcast afirma repetidamente que não é momento de aliviar os cuidados para se proteger do coronavírus, evitando uma possível segunda onda nas comunidades. A nova doença continua sendo misteriosa e o alerta maior é que continuem nas Terras Indígenas , se houver a necessidade é necessário manter o cuidado do uso de máscara, sem aglomeração e lavar as mãos várias vezes ao dia.
O foco do programa, segundo a experiência da liderança Maná, que mesmo nesse período de pandemia houver o fortalecimento do trabalho no roçado, na plantação de milho, os costumes dos seus antepassados em cuidar da alimentação e a missão de não perder essa tradição. Mesmo com as dificuldades acontecendo no mundo todo, relatou como exemplo que atualmente as terras indígenas a caça e o rio não é mais suficiente para assegurar à sua população, mas com incentivo dos Agroflorestais Indígenas continuam plantando com a organização de plantio para ter alimentos apropriados para consumo.
Com isso tornou uma alternativa no período da pandemia em manter distante e se proteger da nova doença, pois com a produção reduz as idas nas cidades também há diminuição nas compras de produtos industrializados. E como apelo pede ajuda as pessoas para prevenção da floresta, diz que o homem branco faz as derrubadas e só os povos cuidam e não será possível ter a capacidade de segurar o planeta para todo mundo.
Considerações finais
Esta pesquisa nos permitiu ter contato com uma sensibilidade sobre as práticas comunicacionais ameríndias, em situação urbana e na atuação de organizações indígenas no combate ao Coronavírus, a desinformação e as Fake News. onde foi decidido trabalhar diretamente com as entidades representativas etnias envolvidas, que usam recursos sonoros para alcançar suas comunidades.
De forma estratégica as etnias usufruem do suporte digital para ampliação de suas redes, potencialidades e no fortalecimento da articulação entre os povos indígenas. É possível observar nas sonoridades as especificidades sensíveis dentro de cada cosmologia, com a preocupação sobre a qualidade da informação aliada as realidades locais, as práticas autóctones e o respeito às diversidades.
Os espaços de fala, nos contextos audiofônicos, diante da vulnerabilidade provocada pelo Coronavírus, proporcionam um intensivo apoio na manutenção da saúde indígena e no apoio emergencial nas articulações de defesa dos territórios, não apenas contra a doença, mas também nas denúncias de invasão de garimpeiros, madeireiros e grileiros de terras.
As plataformas virtuais concentram maiores audiências em decorrência da necessidade do distanciamento social e desse ambiente resulta-se na assistência humanitária, no estímulo e no fortalecimento das causas dos povos originários, nas práticas net-ativistas.
Identificou-se, a partir das análises dos conteúdos das redes selecionadas de net- ativismo, que a intercomunicação com as comunidades estão claramente focadas em: a) permitir que os povos indígenas sejam frequentemente atualizados sobre a luta por seus direitos, de acordo com seus pares; b) combater as fake news produzidas contra os povos indígenas, produzidas com o intuito de distorcer a realidade local, de atingir a reputação dos povos da floresta de acordo com interesses econômicos e políticos; c) ser fontes confiáveis a todas as comunidades indígenas no combate à crise sanitária e humanitária.
Destacam-se, positivamente, as iniciativas dos povos indígenas em assumir os artifícios técnicos para reivindicar espaços de fala nas redes digitais, em formato sonoro, que ecoam os pedidos de humanização sobre as vidas perdidas e as que ainda se encontram em risco. O discurso gera debate, diante das partes diversas, enquanto unifica as falas das etnias, na afirmação de suas identidades.
A continuidade dos povos ameríndios nas florestas se revela alinhada ao uso de tecnologias para o combate aos novos e tradicionais inimigos – de ordem sanitária, política, humana e não-humana – que surgem diante das comunidades vulneráveis, comunidades que se reinventam. As plataformas digitais são lugares, extensões, de resistência e de luta, na defesa da sobrevivência desses povos, assim como, de suas ancestralidades.
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1 Podcast é um programa de áudio sob demanda compartilhável. Pesquisamos o podcast sob a ótica de Primo (2005), Riaño (2019) e Izuzquiza (2019), levando em consideração as práticas e adaptações locais.
2 Consideramos a comunidade ribeirinha como toda aquela comunidade urbana, e/ou semiurbana, que está ao longo de um rio/lago/áreas alagadas.
3 O fato da comunidade narrar sua própria história não os imuniza da distorção da narrativa. Contudo, as próprias comunidades levam em consideração a legitimidade da fala. Quem fala pra quem, com qual conhecimento de causa? Um caso emblemático ocorrido no Brasil é o do funeral Boe (Bororo), apresentado pela Rede Globo, no ano de 2003. A equipe que gravou o ritual entre os Bororo, desprovida de informação, divulgou passagens ritualísticas sagradas que não deveriam ser mostradas a uma parcela da comunidade, além de destorcerem os sentidos do ritual. Essas informações podem ser conferidas em Kadojeba, Carvalho e Ribeiro (2017). Na ocasião, em resposta a emissora, cineastas da comunidade resolveram refazer de modo crítico a filmagem do funeral, levando em consideração as particularidades da etnia. Todo o material foi divulgado no You Tube, o que causou considerável repercussão.
4 De acordo com Franco et al (2020) e Franco e Silva (2020) cosmofagia é violência física e simbólica praticada contra os povos da floresta.
5 De acordo com Trivinho (2015), o glocal é uma condição nem global, nem local, antes misturada e fragmentada.
6 Para mais informações consultar: https://covid19.socioambiental.org/.